sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Vigiando e Orando no Fundo do Mar

Vigiai e orai! (Mt 26:41)
Á medida que amadurecemos em nosso relacionamento com Deus, alguns textos bíblicos parecem fazer mais sentido. Sempre tive dificuldade com o texto de (Mt 26:41). Na verdade as pessoas usam esse texto fora de contexto. Jesus estava admoestando os discípulos a permanecerem com ele em seus momentos finais. Mas esse texto na maioria das vezes é lido como um teor de ameaça. A idéia que sempre me apresentaram foi de uma constante postura de alerta, como se estivéssemos na beira de um precipício na ponta dos pés, torcendo para que Satanás não nos surpreendesse com um sopro. A dificuldade que tenho, é porque sempre pensei no cristianismo como algo prazeroso e não tenso. Embora consciente da luta contra os principados e potestades nesse mundo tenebroso, sempre me ancorei no porto seguro da soberania divina.
Dessa forma, minha compreensão da vida cristã tem sido guiada por essa lógica. Não creio que Deus me salvou do pecado para que eu passasse minha vida toda em uma luta frenética para não pecar. Tenho que manter o pé no pescoço do velho homem, com certeza, mas de forma alguma minha espiritualidade pode ser guiada pelo medo de cair. Se assim fosse, passaria todo o tempo em oração para não pecar, ao invés de desfrutar da intimidade do Pai. Passaria a vida lutando por manter uma conduta moral impecável, deixando de me preocupar em contribuir com o Reino. Decidi que o sinal de maturidade em minha vida seria passar menos tempo tentando não pecar e mais tempo tentando ser como Cristo.
Nesse prisma, “Vigiai e orai”, sempre foi um texto um pouco controverso. Até que visitei outro mundo. O leitor que está com medo de começar a entrar em águas perigosas, relaxe. Não fui abduzido por extra terrestres, nem fui arrebatado para outra dimensão. Eu simplesmente dei um mergulho.
Isso mesmo. Tive a oportunidade de nadar em uma piscina natural em alto mar nas belas águas de Maceió – AL. Não contente com a superfície e inspirado por um espírito aventureiro, quis fazer um curso rápido de mergulho para descobrir um pouco mais do fundo do mar. É bem verdade que o mais fundo que minha perícia de mergulhador me permitiu foi cinco metros de profundidade, mas foi mais do que suficiente. Não existe outra forma de expressar – é outro mundo. Um universo de cores, formas, beleza e vida que silenciosamente se escondia do resto do mundo acima da superfície. Nos poucos momentos que estive ali, me pareceu estar em outra realidade, onde nada do meu mundo fazia sentido. Antes que alguém fique impaciente voltemos ao assunto principal.
Enquanto estava no fundo do mar (por favor, deixe-me pensar que era o fundo!) o silêncio era absoluto. Um ambiente de uma calmaria inigualável. Lá não havia estresse nem alarmes. Não consegui enxergar condomínios fechados de peixes nem corais com cerca elétrica. Não havia medo, somente paz. No entanto, como todo mergulhador de primeira viagem, meu primeiro impulso ao ver um peixe passando em frente ao meu nariz, foi estender a mão para tocá-lo. De maneira impressionante, o peixe que inspirava calmaria, reagiu de forma brusca fazendo um movimento ligeiro escapando por entre meus dedos e rapidamente se distanciando de mim. Fiz a experiência várias vezes, e mesmo em cardumes com muitos peixes não consegui sequer tocar em um deles. Quando voltei ao hotel, o texto de Mt 26:41 me veio a mente.
A analogia é a seguinte. Nenhum daqueles peixes estava em constante estado de alerta, o que desfrutavam ali era simplesmente paz. Entretanto conheciam tão bem a realidade do mar, que a mera presença de algo diferente provocava neles a reação da fuga. O perigo é na verdade o distúrbio da paz. E quanto mais em paz alguém está, mais alerta do perigo ele fica.
Bem, é por isso que os verbos estão sabiamente dispostos na Escritura sagrada: vigiai e orai. Vigiar sem orar, vira paranóia. O que nos possibilita vigiar, é o ato de orar. Quando oramos, estamos em paz. Em contato com um universo além de nossa compreensão, transcendendo a realidade do estressante mundo em que vivemos para entrarmos no pacífico mundo seguro pela soberania de Deus. A oração é refúgio. É encontro com a paz. E quando oramos sem cessar (I Tess 5:17), vivemos em paz e qualquer distúrbio da paz gera em nós a reação necessária. Vigiar e orar são dois lados de uma mesma moeda. E qualquer movimento duvidoso do pecado que tão tenazmente nos assedia, nos fará novamente correr para o refúgio do Pai, isso é, se estivermos conectados a ele o suficiente.
Prefiro assim. Continuo atento, para não cair em tentação. No entanto, muito mais do que um cuidado moralista, cultivo minha relação com o Pai, nadando em suas águas tranqüilas, para que ao menor sinal do perigo, eu saiba exatamente que o distúrbio não faz parte da minha vida.
Certos estavam os peixes...

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Paz? Que paz?

Incrível como nossa tendência é associar as dificuldades que temos na vida, com um desalinhamento com os propósitos de Deus. Somos treinados a avaliar se estamos ou não obtendo a aprovação de Deus em determinado assunto a partir do sucesso de nossos empreendimentos. “A paz de Deus é a prova dos nove”, dizem por aí. E dizem com base bíblica. Afinal Paulo em Colossenses, nos diz que a paz de Deus deve ser o árbitro,ou juiz em nosso coração. Mas pelo contexto parece bastante óbvio que ele está falando da busca pela paz nos relacionamentos pessoais e não de uma sensação mística de que está tudo bem. No entanto, dizem os pragmáticos de plantão: “Se sentir paz, é de Deus, se não sentir, não é”.
Mas que paz é essa? O que dizer do nosso enganoso coração que normalmente encontra paz quando consegue o que quer e se inquieta revoltosamente quando é levado por caminhos de renúncia. Quanta paz sentiu Jesus ao ser chicoteado pelos romanos ou ao carregar a cruz em direção ao Calvário? Quanta paz sentiu Paulo ao ser expulso de cidade em cidade, apedrejado por uma multidão furiosa que o jogava de tribunal em tribunal injustamente, ou em navios que naufragavam, ou sendo picado por víboras venenosas? Não creio que esses cenários favoreciam a sensação de paz. É bem verdade que misteriosamente a paz de Deus, que excede todo entendimento, nos encontra nesses momentos de forma surpreendente e inexplicável, mas não sem antes sermos levados a emoções extremas de tensão e às vezes angústia. Paz mesmo, só depois da tempestade, o problema é que no meio da tempestade é surgem nossas dúvidas. Somos treinados a evitar o sofrimento e a avaliá-lo como um desarranjo na ordem divina. Alguns vão ao extremo de dizer que doença é sintoma de pecado, dificuldade financeira, é problema de quem não é dizimista, e todo e qualquer tipo de sofrimento é uma prova inquestionável que estamos na contramão da vontade de Deus. Explicamos tudo com a precisão de um diagnóstico clínico, afinal a lógica é clara. Se Deus é soberano e estamos agindo de acordo com sua vontade, então não deve haver impedimento algum. Se existe impedimentos evidentes, é hora de reavaliar se estamos mesmo fazendo o que Deus nos mandou fazer.
Graças a Deus que não é bem assim. Basta uma boa olhada para os heróis da fé para percebermos que nenhum deles foi isento de crises e tempestades que às vezes tão intensas, os fizeram duvidar de seu chamado. Graças a Deus, pelo Moisés inseguro, pelo Davi adúltero, pelo Elias medroso, pelo Paulo perseguido e pelo Jesus da Cruz. Graças a Deus pelos homens que provaram que ser mais que vencedor é lutar mais do que todo mundo e enfrentar a aliança diabo-sistema que nos odeia tentando a todo custo frustrar nossos planos quando desejamos fazer a vontade de Deus. Graças ao Deus que não nos isenta de sofrer, perder e fracassar, porque não se importa somente com nosso destino, mas também e principalmente com as condições do nosso coração ao chegarmos lá. Graças a Deus que nos permite ser transformados enquanto somos transtornados, e que não nos isola em uma redoma de vidro, mas nos expõe às intempéries da vida a fim de que cheguemos do outro lado mais fortes. E aí então, só então, graças a Deus pela paz, e essa sim, continuamos sem conseguir explicar.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O Jesus Histórico e o Jesus Lendário

Você já aceitou Jesus como seu Senhor e Salvador pessoal? Essa pergunta sempre me pareceu um tanto inapropriada no que diz respeito à evangelização. Pelo menos com a conotação que ela adquiriu nessa chamada pós-modernidade. Aparentemente, Jesus, é uma proposta que pode ser facilmente aceita por qualquer um. Uma proposta de um crédito de vida eterna, ou de solução absoluta de seus problemas. Aceitar Jesus? Porque não? Deixar de ir para o inferno, morar em um lugar com ruas de ouro e mar de cristal, e ainda levar de lambuja todas as bênçãos terrenas prometidas para os “filhos do Rei”? Aceito fácil, aliás, só não aceita quem bobo é.
No entanto nem sempre foi assim tão fácil. Imagine o que era aceitar Jesus nos tempos de Jesus. Um dia alguém chega pra você dizendo que tem um boato rolando pela cidade de que um homem de carne e osso, natural de uma cidade insignificante de um país escravizado pelo Império Romano, filho de um carpinteiro e de uma dona de casa qualquer, nascido em uma estrebaria, teria vindo a esse mundo por uma virgem, realizava os mais diversos sinais e maravilhas, como devolver visão a cegos e ressuscitar mortos, foi morto em uma cruz, ressuscitou depois de três dias e agora estava no céu à direita de Deus, sendo juiz de vivos e mortos. Pense como era difícil, para os vizinhos do menino Jesus, que cresceram com ele e acompanharam todo o seu desenvolvimento, aceitarem o fato de que brincaram de bola com o Filho de Deus. Imagine o que foi para os irmãos de Jesus, aceitar Jesus, o irmão mais velho que levantava cedo para ir trabalhar na carpintaria do pai, como seu Senhor e Salvador pessoal. Pense na surpresa de Cornélio ao ouvir da boca de Pedro, a fantástica história de Jesus, que teria mais ou menos a sua idade se estivesse ainda na terra, e que seria nada mais nada menos do que o próprio Deus em carne. Já não era assim tão fácil. Acrescente a toda essa trivialidade, o fato de que caso, pela irracionalidade da fé, você acreditasse nisso tudo, seria perseguido e provavelmente morto a pedradas pelos perseguidores dos cristãos. Nada fácil, não é?
É fácil para nós que não temos o Jesus histórico em mente. Nós que fomos amansados pelos séculos de fundamentação teológica que trazem Jesus a nossa mente já totalmente iluminado por sua natureza divina.
No entanto, será que pelo fato de estarmos tão alheios ao Jesus histórico e alienados do mistério da sua encarnação, não acabamos fazendo de Jesus uma lenda? Será que nossas argumentações, não vêm ao longo dos anos enfraquecendo nossa fé ao invés de fortalecê-la?
Creio que muitos cristãos, por não compreenderem a dimensão da manifestação do Jesus encarnado, reverenciam a Jesus, como alguém reverencia o rei Artur e os cavaleiros da távola redonda. Histórias fantásticas, cheias de magia e mistério, linda e cheias de esperança, mas que no fundo, no fundo, duvida-se que são reais. Uma fé tão fácil que perde seu significado. Uma aceitação tão desprovida de mistério e sacrifício, que empobrece o cristianismo.
É, talvez aceitar Jesus seja fácil demais, pelo menos para nós do século XXI.
 

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