sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Estranha Espiritualidade (Parte 2) – A Guerra


Seja pelas antigas referencias bélicas de Israel ou pelas modernas colocações da teologia da Batalha Espiritual, a igreja evangélica sempre fez uso do cenário da guerra para exemplificar suas práticas e convicções. “Estamos em guerra contra o inferno”, esbravejam alguns. “Nosso general é Cristo”, celebram outros. Parecemos compreender perfeitamente que nossa luta é contra principados e potestades que governam esse mundo tenebroso. Alguns até exageram da metáfora, estabelecendo planos estratégicos concebidos a partir dos planos de guerra mais elaborados. No entanto, ao que me parece, nossas visões da guerra não são das mais nobres. Como espectadores da guerra que somos, acostumados a assistir os confrontos bélicos ao vivo da segurança de nossas salas de tv, ignoramos o que há de mais nobre no coração do soldado. Nunca fui pra guerra, mas o pouco que li a respeito dos bastidores das batalhas, me revelou um lado que deveríamos conhecer melhor.
As motivações por trás das mãos que impunham os rifles nos campos de batalha são as mais variadas possíveis. Alguns guerreiam por ódio, por sede de vingança, por um rancor que se perpetua através das gerações. Alguns sem motivo pessoal, apenas em cumprimento de seu dever, oferecendo sua vida em obediência a um recrutamento da pátria enquanto os estrategistas engravatados se aninham em poltronas confortáveis. Mas uma pequena parcela, embora se encontre no cenário onde a maldade humana mais se evidencia, consegue encontrar dentro de seus corações, motivações nobres que produzem no meio da insensatez da guerra, um honroso senso de valor. São duas essas motivações: idealismo e companheirismo.
Ainda há quem lute por um ideal. Ainda existem os que guerreiam contra a injustiça, contra a maldade e contra a tirania. No meio dos tiros movidos pelo ódio, ainda há os que crêem em ideais e valores pelos quais estão dispostos a entregar a vida. Soldados que não estão lutando contra alguém, mas em favor de algo maior que o ódio. Que não só atiram, mas se atiram, com toda integridade, esperando que seus sacrifícios regados a sangue produzam algum fruto digno. Ainda existem idealistas, esbravejando contra os exploradores da humanidade, crendo que seus atos e palavras podem mudar o mundo. Muitos, mal informados e mal formados, lutam por ideais vazios e puramente humanos, que mais cedo ou mais tarde se mostram frustrantes, mas se existe algum valor nesses ideais que os elevaram a um patamar acima das meras idéias, é o fato de ter gente valorosa disposta a viver e morrer por eles. O idealismo talvez não justifique a guerra, mas certamente é a matéria prima do heroísmo.
Mas ainda mais nobre que o idealismo, é o companheirismo. O fato de que cada soldado em uma trincheira, luta pelo companheiro ao seu lado. Talvez porque o companheiro ao lado seja a primeira e mais próxima referência da pátria. Ali, na mesma trincheira estão com ele sua esposa, seus filhos, seus pais e amigos, todos representados pelo soldado que depende dele para viver. Cada soldado leva para o front todos os seus, e quando isso se percebe, cria-se uma comunidade onde a vida do próximo vale mais do que a sua própria. Ali, não se luta contra alguém e nem em favor de algo, mas com e por alguém. E o tiro que atinge um atinge a todos.
Talvez nós como Igreja, devêssemos rever nossas motivações ao guerrear. Talvez ao invés de focar tanto no inimigo, devêssemos pensar um pouco mais no Reino, no Ideal e no próximo. Deveríamos ter a consciência que antes de lutarmos contra o diabo, estamos marchando por valores mais nobres do que a guerra em si. Ao empunharmos nossas espadas, deveríamos ser dirigidos pelo anseio de ver a paz. Deveríamos lutar olhando para os que estão conosco nas trincheiras, e não ferir os que estão no mesmo batalhão por inveja ou partidarismo. Nossas guerras deveriam ser mais nobres, mais significativas. Porque só assim seriam justificáveis. O paradoxo da batalha espiritual, é que nosso inimigo é vencido enquanto cresce em nós o amor. A maior evidência de nossa força, não são os despojos conquistados enquanto lutamos e sim o Reino que defendemos e as pessoas que protegemos. Aí sim, a guerra se torna espiritual, não só porque os inimigos são invisíveis, mas porque os valores são eternos.
 

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