quarta-feira, 17 de março de 2010

A vocação de viver tranquilo


Esforcem-se para ter uma vida tranqüila, cuidar dos seus próprios negócios e trabalhar com as próprias mãos, como nós os instruímos; a fim de que andem decentemente aos olhos dos que são de fora e não dependam de ninguém. (1 Tessalonicenses 4 :11-12)

O texto acima não é dos mais populares da Bíblia, no entanto ele se encontra como um trecho introdutório de uma das mais famosas passagens das Escrituras. Logo depois desses versículos, lemos o seguinte:

“Irmãos, não queremos que vocês sejam ignorantes quanto aos que dormem, para que não se entristeçam como os outros que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressurgiu, cremos também que Deus trará, mediante Jesus e com ele, aqueles que nele dormiram. Dizemos a vocês, pela palavra do Senhor, que nós, os que estivermos vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor, certamente não precederemos os que dormem. Pois, dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que estivermos vivos seremos arrebatados com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre. Consolem-se uns aos outros com essas palavras.” (1 Tess. 4:13-18).

Essa sim estaria entre as passagens favoritas dos cristãos, especialmente por retratar de forma tão vibrante o evento mais esperado da história, a volta do Senhor Jesus Cristo. No entanto, a leitura conjunta das passagens (na verdade, a única forma correta de lê-la) parece um tanto contraditoria. Paulo, pouco antes de descrever de forma empolgante os eventos da volta de Cristo, deixa a recomendação pastoral de viver de forma tranqüila, cuidar dos próprios negócios e andar de forma a dar bom testemunho. O contraste é alarmante, a figura sóbria e tranqüila antecede a descrição do evento que é costumeiramente interpretado como situação de urgência, tempo de preparação e, até certo ponto, desesperador.

Essa postura de inquietação é a mais comum quando se trata do tema da volta de Cristo. Especialmente em nossos dias de terremotos, desastres naturais, guerras e rumores de guerra, onde o amor de muitos se esfria gradativamente, respiramos ansiosamente o ar dos últimos dias que antecedem o encerramento climático da era presente e a consumação do tão aguardado Reino de Deus.

Interessantemente, embora separados por centenas de anos, a igreja de Tessalônica respirava esses mesmos ares. Sofrendo intensa perseguição dos judeus, vivendo sob incrível e constante tensão, vendo seus irmãos e familiares morrendo sob o ódio dos impiedosos, os tessalonicenses encontraram ânimo e encorajamento nas palavras do apostolo que vigorosamente os lembrava da iminente volta de Cristo e do destino de alegria eterna daqueles que criam em Cristo. A morte, diz Paulo, não é para ser lamentada como pelos que não conhecem a Cristo, pois para os que crêem, é apenas um interlúdio que precede o grande e jubiloso acorde final. O que fazer então? Como viver diante da iminência da consumação de todas as coisas? Deixar de trabalhar? Ir para as praças proclamando em alta voz de forma apocalíptica a realidade do julgamento inevitável? Deixar a cidade e ir para o campo? Viver de forma ascética, orando e jejuando o tempo todo para não ser pego de surpresa no momento em que Cristo vier como ladrão na noite?

De certa forma essa foi a reação dos Tessalonicences. Alguns pararam de trabalhar, e sentaram-se acomodados aguardando o Dia do Senhor. Um certo senso de desespero tomou conta de muitos. O distúrbio foi tão grande que obrigou o apostolo a escrever uma segunda carta, colocando as coisas no devido lugar.

Tudo isso seria evitado se tão somente eles tivessem atentos a admoestação apostólica: vivam tranqüilos. A volta de Cristo não deve gerar desespero, e sim esperança. Não deve gerar letargia, mas testemunho fiel. Não deve gerar ócio, mas deve impregnar a mais ordinária das atividades de alegria e vivacidade. A volta de Cristo altera nossa forma de viver a vida e de lidar com a morte. Saber que Cristo está voltando não transforma nossas atividades em um ciclo religioso frenético e desesperado. Saber que Cristo está voltando deve nos fazer viver a vida; ou nas palavras de Paulo, viver e agradar a Deus. A realidade da volta de Cristo deve ser traduzida em um viver profético – uma vida cujas atividades mais rotineiras traduzam a esperança da glória. Uma vida onde o efeito mais óbvio da iminência do Retorno do Rei seja tranqüilidade. Por que? Na verdade, por que não? Por que não viver tranqüilos, se sabemos que a pena da história está nas mãos de quem a escreve desde antes da fundação do mundo? Por que não viver tranqüilos, se sabemos que, muito embora respiremos as tensões desse mundo corrompido, o Reino de Deus é uma certeza? Por que não trabalhar, comer, celebrar, compartilhar, viver, se estamos conscientes de que Cristo virá pra trazer significado completo a cada uma dessas atitudes?

Cristo vai voltar! Portanto, viva de forma tranqüila, mas não passiva – enchendo hoje os pulmões com os ares de esperança do porvir. Pois afinal, os desesperados são os que não sabem pra onde vão. Os fiéis, esses sabem... “estaremos com o Senhor para sempre.” (1 Tess. 4:17)

 

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