terça-feira, 29 de setembro de 2009

História e histórias


Ao longo dos séculos a Bíblia Sagrada tem sido o livro mais vendido, lido e estudado da história. Pelos mais diversos motivos, pessoas de todos os lugares e épocas se debruçam sobre as páginas do Santo Livro reconhecendo, de alguma forma, o seu valor. No entanto, nem todos o percebem como os cristãos – ou seja, como norma de fé e prática. Muitos tem as Escrituras apenas como uma fonte de informações históricas ou uma maneira de compreender sociologicamente os fenômenos da religiosidade cristã. Mas de uma forma ou de outra, a Bíblia ocupa um papel central na compreensão da história da sociedade ocidental.

Para alguns, a Bíblia deve ser considerada apenas à partir de uma perspectiva histórica. Como todo documento histórico, ela deve ser avaliada a uma certa distância, descartando tudo o que não pode ser considerado fato histórico. Alem disso, como documento ela está sujeita a comprovações externas como achados arqueológicos e outros documentos que atestem a veracidade dos fatos nela contidos. Essa abordagem constitui um extremo reducionismo, justamente por desconsiderar eventos que naturalmente não podem ser “provados” historicamente. No entanto essa compreensão tem o seu valor. É muito importante saber que os fatos narrados nas Escrituras não são obra de ficção ou produto da imaginação fértil de algum místico antigo, mas tem a essência de suas narrativas atestadas pela história.

Uma outra percepção das Escrituras, faz da Bíblia uma fonte de embasamentos teológicos. É da Bíblia que se derivam os mais elementares fundamentos teológicos nos quais se baseia o cristianismo. Foram através de incontáveis esforços que os chamados Pais da Igreja elaboraram os mais profundos tratados a respeito de assuntos complexos como a Trindade ou a deidade de Cristo. Hoje em dia, quando assuntos como esses são ignorados nas igrejas evangélicas pós-modernas como peças de museu desnecessárias para o dia a dia, poucos reconhecem o inestimável valor que essas reflexões tem na consolidação da fé. Não são muitos entre os cristãos, os que tem uma compreensão saudável e precisa a respeito desses assuntos que custaram a vida e o sangue de tantos mártires. Na tentativa de mascarar a própria mediocridade, muitos ignoram a teologia, taxando-a de “letra que mata” (mais uma das muitas equivocadas interpretações do texto Bíblico) sendo que na verdade, todos possuem uma teologia. Boa ou ruim, todos tem uma teologia; mesmo os que dizem que não se preocupam com isso.

No entanto, a Bíblia não é só isso. Não se trata apenas de um documento histórico, nem tão somente de uma fonte de tratados teológicos. A Bíblia é um livro vivo.

Tenho tido o prazer de ler o Antigo Testamento em uma outra língua e esse exercício tem me dado a oportunidade de observá-la por um novo angulo. Tenho visto a Bíblia de um ponto de vista pessoal. Não que esteja ignorando o fato de que a Bíblia tenha sido escrita para um povo e época específicos, isso é inegociável. No entanto, tenho procurado observar de que forma a minha história se encaixa na história de Deus. Isso é fascinante.

A Bíblia é a história de Deus. É a narrativa de um Deus que busca o homem para se relacionar com ele, de uma humanidade que se rebela constantemente contra o seu Criador, e de um incessante desejo do Criador de redimir e restaurar a humanidade. Sendo assim, as histórias narradas nas Escrituras se entrelaçam com a jornada pessoal de cada um, na medida que entendemos que Deus está lidando ao mesmo tempo com indivíduos e com toda a humanidade. As fantásticas sagas de homens como Abraão, Moisés, Isaías e outros, são ao mesmo tempo demonstrações de um Deus pessoal que interage com indivíduos em seus dilemas particulares, e de um Deus que articula essas histórias individuais, tecendo uma trama comum que se desenvolve em seu plano máximo de redenção. Em outras palavras, enquanto Deus age na minha história, está agindo na História; ou olhando sob outra perspectiva, enquanto age na História, está agindo também na minha história. Portanto, vejo-me conectado a um plano maior. Quando Deus age em minha história, guiando-me por seus caminhos, intervindo em minhas ambigüidades e moldando-me, não o faz somente no plano da minha individualidade, pois a História é, em certo sentido, a somatória de histórias individuais; Minha jornada, somada à jornada de muito outros constrói a História em uma teia de relações infindável.

Por isso, quando leio as histórias dos Patriarcas, profetas, apóstolos e também dos personagens não tão famosos das Escrituras, vejo-me em cada um deles. A história de Abraão faz parte da minha história, me vejo em seus erros, participo das promessas feitas a ele. Identifico-me com a sensação de impotência de Moisés, com as angustias pessoais de Davi; alegro-me com a resoluta determinação de Daniel, sinto o coração angustiado dos profetas. Enfim, é minha história, minha vida.

Assim, a Bíblia ganha cor, movimento, relevância. Deixa de ser apenas fonte de argumentação histórica ou teológica para ser a história de Deus, que não se encerrou ainda, mas recebe capítulos novos a cada manhã.

O que há de mais belo nisso tudo é que nessa história não somos apenas meros atores, marionetados pelas mãos de um tirano soberano. Em determinadas ocasiões, o autor nos empresta a pena da história, na expectativa de que possamos criar algo novo que expresse o seu caráter e revele a sua vontade.

Existe algo mais nobre e empolgante que isso?

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Da sala de aula..."Reflexões aleatórias sobre o ato de refletir" (Chris Wiens)

(Estou inaugurando uma nova seção no blog. Chama-se "Da sala de aula...". A idéia é postar colaborações dos amigos que estudam comigo no Regent College. Como a faculdade é bem diversificada, temos uma oportunidade singular de ouvirmos Deus falar por meio de representantes das mais diversas partes do mundo. Para inaugurar a seção, convidei meu mais novo amigo e vizinho canadense Chris Wiens para escrever...)


Estava sentado em uma praia há alguns dias atrás, pensando acerca da vida e de Deus... preocupando-me com o futuro e desejando que Deus fosse mais audível. Não me sinto freqüentemente direcionado a uma passagem das Escrituras em particular mas nessa manha eu fui. Tratava-se do Salmo 103:

"Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome. Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios. Ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades; quem sara todas as tuas enfermidades; quem da cova redime a tua vida e te coroa de graça e misericórdia; quem farta de bens a tua velhice, de sorte que a tua mocidade se renova como a da águia."

Eu precisava ouvir aquilo. Quantas vezes me aproximo de Deus esperando algo novo, algo fresco, diferente. Não há nada de errado com essa expectativa, mas se isso é tudo o que estamos buscando, então estamos perdendo alguma coisa. Essa passagem fala sobre reflexão, não apenas antecipação.

Não se esqueça de nenhum só de seus benefícios. Quão freqüentemente me esqueço quão bom Deus tem sido para comigo ao longo dos anos. Gasto tanto tempo pensando a respeito do futuro que isso compromete minha habilidade de apreciar o passado. Em meio às dúvidas de minha fé e das incertezas da vida, Deus sempre permaneceu fiel e derramou continuamente seus benefícios.
Quais são os seus benefícios? Para cada um de nós é diferente, mas existem algumas constantes que podemos encontrar nesse salmo para todos os que seguem a Deus:


Perdão – nós simplesmente não apreciamos a magnitude do fato de nossos pecados não serem mais contados contra nós. Por causa do seu benefício, não precisamos mais andar em culpa ou medo. Somos libertos para nos tornarmos as pessoas que sempre fomos destinados a ser. Aquilo que pesava sobre nós já não é mais um problema!


Redenção – pode parecer o mesmo que perdão, mas é na verdade o subproduto do perdão. Porque somos perdoados, somos redimidos, justificados com Deus, e isso nos permite entrar na presença de Deus santos e inculpáveis. Quantos cristãos são perdoados, mas não vivem como se tivessem sido redimidos? Muito freqüentemente eu aceito o perdão de Deus, mas não vivo como alguém redimido.

Amor e Compaixão – esses termos são bastante auto-explicativos. Todavia freqüentemente pensamos em Deus como um juiz legalista que não se importa pessoalmente conosco. Esse amor de Deus deveria mudar radicalmente a maneira como vemos a nós mesmos. No entanto a depressão, as feridas interiores e outras formas de baixa auto-estima são muito comuns no mundo cristão (em minha experiência como pastor de jovens, conheço esse quadro em primeira mão). Será que não acreditamos que somos amados por Deus, e que sua compaixão nos libertou do ódio que sentimos por nós mesmos?


Satisfação e renovação – perdão, redenção, amor e compaixão são todos benefícios de Deus que nos leva à satisfação. Se cremos verdadeiramente em Deus e em tudo o que ele faz e tomarmos tempo para refletir em seus benefícios, seremos satisfeitos e renovados. É tão tentador querer um pouco mais de tudo, inclusive na fé cristã. Talvez a melhor maneira de equilibrar o desejo de crescer em contentamento com o que já temos seja uma atitude de reflexão e gratidão.

Percebi que depois de meu tempo com Deus naquela praia, me senti mais vivo e renovado do que nunca. O que Deus me dera era novo, uma nova lembrança da minha necessidade de pensar em Deus e apreciar tudo o que ele já havia feito ao invés de buscar constantemente o que quero que ele faça.

Chris Wiens é casado e tem dois filhos pequenos. Foi pastor de jovens em Calgary por 7 anos e atualmente vive em Vancouver e estuda no Regent College. Suas atividades favoritas são acampar, fazer trilhas e fazer longas viagens a lugares remotos. Tem como paixão ver pessoas viverem “a vida abundante” que Jesus prometeu àqueles que o seguem. Chris já esteve em várias viagens missionárias e se interessa muito pelo que Deus está fazendo ao redor do mundo. Seu planejamento futuro inclui ser missionário em outros continentes.

 

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