segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Amor e Obediência




“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama. E aquele que me ama será amado de meu Pai e eu também o amarei e me manifestarei a ele.” (João 14:21)

Essa intima relação entre obediência e amor proposta por Jesus sempre me trouxe algumas reflexões.
Primeiramente, se a obediência é a evidência máxima do amor, isso quer dizer que todas as vezes que falhamos em obedecer estamos na verdade falhando em amar? Em outras palavras, todas as vezes que fazemos algo que não devemos fazer ou deixamos de fazer algo que deveríamos fazer (os célebres pecados por ação e omissão), estamos na verdade comprovando nossa falta de amor para com Deus?
A segunda consideração a respeito dessa ligação tão lógica entre obediência e amor é: se a obediência é a prova do amor, o que dizer de todos os tipos de relação onde a obediência é imposta ou cheia de segundos interesses? Será mesmo que todos que obedecem, o fazem porque amam? Acho difícil.
Então, o que dizer das palavras de Jesus? Sempre entendi que o objetivo final de Cristo em sua relação conosco é desenvolver um relacionamento de amor, onde a obediência torna-se uma conseqüência natural. Uma relação onde escolhemos obedecer, não por medo de possíveis punições ou por interesse em prováveis recompensas, mas pelo simples fato de querer agradar àquele a quem amamos. Assim, a obediência não seria prova do amor, mas uma conseqüência direta. Nem todo o que obedece ama, mas quem ama, obedece.
E essa relação é óbvia se entendermos o que está por trás da obediência. Obedecer é um ato de fé. Obedecer é confiar no julgamento de alguém a respeito de nossa vida. É acreditar que os mandamentos nos são dados não como formas de impor limites como mera prova de superioridade, mas porque nos são necessários para a vida, visando nosso bem. A confiança que impulsiona tal obediência é a base para o relacionamento. É por isso que antes de se revelar como Pai, Deus se revela como Deus. Antes de ser o Pai que acolhe, é o Deus que se mostra confiável ao pronunciar seus mandamentos, que quando cumpridos, produzem vida. Um pai, antes de ser amado, deve ser confiado, e a manifestação mais pura de confiança é a obediência.
Jesus, em uma brilhante interpretação da Lei de Moisés declara que o maior mandamento é: Amarás o Senhor teu Deus, e essa lei começa com: Não terás outros deuses diante de Mim. O Amor é sempre precedido pela obediência.
Faz sentido, portanto, a ligação que Jesus estabelece entre amor e obediência. A obediência é o fundamento sob o qual se constrói uma verdadeira relação de amor com Deus, sempre permeada pela confiança.
Em outra afirmação intrigante Jesus diz: Aquele que me ama será amado de meu Pai. Ninguém argumentaria o fato de que Deus ama a todos, invariavelmente. Nossa fé se baseia no fato de que Deus nos ama ainda que desobedecemos. Portanto, é impossível que a obediência esteja sendo apresentada nesse versículo como uma espécie de condição para o amor de Deus. Parece-me que o que está em questão é novamente a confiança. Aquele que obedece consegue perceber-se amado pelo Pai, já que a desobediência, mais apropriadamente chamada de pecado, nos distorce a alma, impedindo-nos de ligar intimamente ao coração de Deus. A última parte do versículo explica: eu também o amarei e me manifestarei a ele. Creio ser esse o objetivo final: a plena manifestação de Cristo em um relacionamento de amor. Um amor revelado, que não se omite nem se esconde, mas manifesta-se em sua plenitude, sem restrições nem inseguranças. No entanto, esse nível de comunhão tão desejado por nós e por Deus, só pode vir por meio do desenvolvimento de uma relação que começa com a fé confiante que se evidencia no ato muitas vezes difícil de obedecer.
Sempre achei que a pergunta era: Amo o suficiente pra obedecer? Começo a pensar se não deveria ser: Já obedeci o suficiente pra poder amar? Sempre perguntei quanto amor existe por trás da obediência, mas a questão parece ser quanta obediência existe por trás do amor. Porque afinal de contas, amar sem obedecer é o mesmo que dizer: Te amo, mas não confio em você o suficiente pra entregar minha vida em suas mãos. E parece muito claro que esse não é o tipo de relacionamento proposto por Deus em Cristo Jesus.
Respondendo às minhas próprias indagações. Não creio que todo pecado seja uma declaração de que não amamos a Deus. Mas certamente é uma declaração que amamos mais a nós mesmos do que a Deus. E para Deus, as coisas são muito radicais: ou o amamos acima de tudo e todos (e isso inclui a nós mesmos), ou não o amamos. Portanto, por mais duras que pareçam as palavras de Jesus, é assim mesmo que devem ser lidas. Se não o temos em nós o suficiente para obedecer, o melhor que temos a fazer é pedir: Senhor, ajuda-nos a te amar!

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.


Essas palavras aparecem duas vezes nas escrituras. A mais conhecida é a ocasião em que Jesus Cristo as pronuncia na cruz do Calvário prestes a morrer. Em uma oração de entrega, rendendo-se ao Pai, o Filho de Deus balbucia essas palavras em meio aos esforços excruciantes do último suspiro. Interessante o fato de Jesus escolher essas palavras como suas últimas. Na verdade elas foram originalmente pronunciadas por Davi no Salmo 31 – em um dos escritos categorizados pelos estudiosos como escritos messiânicos. Uma leitura rápida do salmo revela um rei que sofre perseguições de seus inimigos, sente-se sozinho, abandonado e sob a espreita das más línguas, mas em um esforço de fé entrega-se confiantemente ao Deus à quem atribui sua salvação, entregando-lhe o espírito – uma expressão equivalente a: Minha vida está em tuas mãos. Essa expressão de rendição e entrega – Nas tuas mãos entrego meu espírito – tornou-se uma expressão comum, recitada pelas crianças israelitas antes de adormecerem.
Entretanto a relação entre as duas passagens é inequívoca, Jesus replicou a oração do rei Davi como sua última oração ao Pai. Qual seria, portanto, a exata natureza dessa relação? Creio existirem duas possíveis explicações para a ligação desses textos.
A primeira é que Davi, em sua sincera oração, expressou antecipadamente os sentimentos que Jesus Cristo sentiria séculos mais tarde. Em uma epifania profética, o rei de Israel estaria anunciando em suas próprias emoções e verbalizando em forma de oração, guardadas as devidas proporções, a mesma natureza das emoções que cerceariam o coração do Deus-homem – Jesus de Nazaré. A segunda possível interpretação, é que Jesus ao sofrer na cruz, tomou emprestadas as palavras de Davi para expressar seus sentimentos de agonia. Como se não houvesse palavras melhores para dizer naquele momento de dor.
Seja qual for a verdadeira relação entre os textos, ambas as possibilidades revelam mais um dos muitos motivos que fazem de Davi um homem segundo o coração de Deus.
Se foi uma antecipação profética da dor do Messias, ele certamente possuía uma profunda intimidade com Deus a ponto de receber do alto tal demonstração da angustia que o Deus encarnado sofreria. Se foi Jesus quem simplesmente se utilizou das palavras de Davi, isso também evidencia uma relação íntima o suficiente com Deus a ponto de suas orações serem usadas para traduzir o que o próprio Cristo queria dizer ao Pai na hora de sua morte.
A questão toda é a capacidade maravilhosa de Davi de se conectar com Deus em um nível tão profundo. Tenho minhas dúvidas se Davi sabia que estava fazendo uma oração messiânica, creio que não. Não acredito que ele tinha percepção que aquela oração seria a oração do próprio Filho de Deus no momento mais importante da história. Não. Davi só estava orando. Rasgando seu coração cheio de cicatrizes, expondo suas feridas e sua sensação de abandono, oscilando entre fé e dúvida, entre medo e esperança, entre ódio e amor. No mesmo salmo em que diz: “Tornei-me opróbrio para todos os meus adversários, espanto para os meus vizinhos, e horror para os meus conhecidos...” diz também: “Em ti Senhor, me refugio; jamais seja eu envergonhado.” E o mais notável é que mesmo quando ora com o coração cheio de dor e até mesmo do ressentimento tão peculiar à alma humana, sua oração ecoa pelas gerações. Mesmo atolado em angústia, sua oração se torna a oração de todo coração aflito, desde as crianças indefesas ao adormecerem, até o próprio Filho de Deus diante do sono da morte.
Quisera eu saber orar assim. Quisera eu saber traduzir os rancores do meu enganoso coração em expressões de entrega a serem copiadas através das gerações. Quisera eu ouvir mais orações assim no meio da luta. Quisera eu ouvir menos lamúrias infundadas, ou determinações arrogantes dos que querem tomar o céu a força e dobrar violentamente o braço de Deus em seu favor. Quisera eu ouvir e dizer as mesmas palavras de Davi, das crianças israelitas e de Jesus ao final dos relatos do sofrimento: Pai, nas tuas mãos entrego o meu Espírito! E então dormir em paz.
 

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