terça-feira, 25 de novembro de 2008

Desculpas X Perdão


Fico impressionado com a velocidade de aprendizado das crianças, especialmente das da idade do meu filho - quase dois anos. Parece-me que nesse período em que o cérebro é quase virgem, os pensamentos, vocábulos e atitudes têm mais aderência na mente, que os absorvem como uma esponja.
Esses dias ensinei meu filho a pedir desculpa. Logo depois de vê-lo desastradamente jogar um brinquedo em sua mãe, ensinei-lhe que ele a havia ferido e que precisava reparar seu erro. Minha esposa, cujo lado compassivo é mais exacerbado que o meu, ensinou-lhe o famoso: Passou, passou – a expressão de conforto e consolo que usamos com as crianças quando queremos que eles ignorem sua dor.
Lição aprendida. Toda vez que comete alguma travessura que fere alguém, ele automaticamente se aproxima de forma caridosa e diz: Passou, passou. Um dia desses, porém, uma erupção do adãozinho que nasce com cada um de nós me surpreendeu. Ele jogou em mim um brinquedo e foi consolar-me: Passou, passou. Depois voltou ao seu lugar e jogou um novo brinquedo, correu até mim e novamente sacou a frase mágica: Passou, passou. Então percebi duas coisas. A primeira é que meu filho havia confundido as coisas e a segunda é que muitas vezes eu faço a mesma coisa. Não se assuste com isso: você também faz.
Deus é bom e muitos pensam que seu ofício é perdoar. Na verdade, isso está de alguma forma armazenado em nosso subconsciente: a idéia de que se Deus tem um trabalho, este é o de abençoar e perdoar. Essa pressuposição nos faz agir mais ou menos como meu filho nos momentos de nossas travessuras. Não, não estou infantilizando o horrendo ato de pecar, mas não há como negar que ocasionalmente, ao pedir perdão a Deus, agimos como se nossos atos não fossem assim tão graves e já que somos as belezinhas do Pai celestial, basta um olharzinho e um beicinho acompanhados das palavras mágicas: Perdão, pequei! E tudo se resolve.
A verdade é que na maioria das vezes que pedimos perdão estamos na verdade pedindo desculpas. E como os dois são diferentes. Para perceber a diferença, basta olharmos para nossas explicações. Errei, mas é que...
E aqui entram todas as nossas explicações que vão desde tendências de desvios de personalidades decorrentes das culturas pecaminosas em que alguns de nós fomos criados, até as situações de extremo estresse que passávamos no momento da “pisada na bola”. Sem falar nas explicações mal fundadas que atribuem a culpa que é nossa, a algum tatatatatataravô que fazia despacho na encruzilhada. Sejam quais forem nossas desculpas, ao usá-las não estamos fazendo aquilo que realmente constitui o cerne do pedido de perdão: não estamos nos arrependendo.
Quando explico minhas ações, me eximo da culpa. Quando me vejo como subproduto do ambiente, então me exponho vitimizado pela vida, e vítima nunca é réu. Outra característica da desculpa é que ela normalmente tem em vista o livramento da punição. Não importa o sentimento do ofendido, somente o meu bem-estar.
Perdão é bem diferente. É olhar para a própria corrupção interior enojado consigo mesmo e declarar nossa culpa irremediável. Declarar que nos sentimos impotentes diante dos nossos pecados e que não existe nada no mundo que explique nosso comportamento rebelde ou que possa justificá-lo. É por isso que o termo bíblico-teológico para a ação de Deus ao perdoar-nos é justificação. Deus justifica os que não têm justificativas. Deus perdoa, não desculpa. Mesmo porque, que desculpa existe para o fato de virarmos às costas ao seu amor inexplicável?
Uma última coisa a respeito do perdão. Diferente do que pede desculpas, quem pede perdão não está preocupado com a punição que lhe é reservada. Quem pede perdão quer voltar pra casa. Quer abraçar o pai, quer sentir-se filho de novo e deixar de sentir-se desconectado da fonte de toda paz. Alguém disse que amar é nunca ter que pedir perdão, eu já acredito que só pede perdão quem tem esperança de ser amado.
Ainda em tempo. Resolvi a questão com meu filho. Tentei explicar-lhe que a questão toda é a dor que causamos no outro. Claro que ainda não dá pra explicar a filosofia da questão pra uma criança de dois anos. E mesmo que ele não tenha entendido totalmente, pelo menos parou de jogar as coisas em mim repetidamente. Já é alguma coisa. Às vezes, em um momento de recaída ainda recebo algumas pancadas, então ele vem. E considerando sua inocência, interpreto o olharzinho e o beicinho como um sólido pedido de perdão.
 

.