quarta-feira, 14 de maio de 2008

Qual é mesmo sua pergunta?



Tenho procurado observar os vários movimentos eclesiásticos da atualidade. Um dos meus focos de atenção e análise são as campanhas chamadas “evangelísticas” que se tornaram prática comum em boa parte das igrejas pentecostais. Os temas são os mais criativos possíveis, e na maioria das vezes fazem alusão a algum evento do Velho Testamento como a queda das muralhas de Jericó ou a abertura do Mar Vermelho. De uma forma ou de outra, o objetivo é trabalhar com a fé do povo.
A fé sempre foi uma resposta ao longo dos anos. Há algum tempo atrás a fé era uma resposta a uma pergunta: como devemos nos relacionar com Deus? Como podemos conhecê-lo? Como é possível estabelecer algum contato com a divindade? Como posso transcender? À todas essas perguntas a resposta cristã era: pela fé. Bem, a fé continua sendo uma resposta, mas a pergunta sem dúvida mudou. O questionamento hoje respondido é: como posso ser feliz? Como posso viver de modo a conquistar meus sonhos? A resposta continua a mesma: pela fé. O que tem acontecido é que ao ouvir esse novo questionamento proveniente de uma sociedade cada vez mais hedonista, a igreja tem respondido da única forma que conhece. No entanto, vejo que o grande papel a ser desempenhado pela igreja cristã não é simplesmente oferecer a resposta, mas levar as pessoas à pergunta certa.
Não há nada de errado em querer ser feliz. Aliás, seria uma imensa contradição humana pregar a infelicidade. Todas as grandes ações e decisões são de alguma forma motivadas por esse intenso desejo de encontrar essa sensação de plenitude que aprendemos a chamar de felicidade. É em busca dela que algumas pessoas se casam, estudam, trabalham, constituem família, realizam seus empreendimentos e outras matam, roubam, se prostituem e se suicidam. Todas as ações humanas encontram sua origem nessa busca pela felicidade. Porém a felicidade conforme proposta nas Escrituras não é um bem em si mesma. É apenas e tão somente uma conseqüência de um relacionamento com Deus. A Bíblia não nos ensina a buscar a felicidade, ela nos ensina a buscar a Deus. A felicidade se apresenta como uma espécie de efeito colateral dessa relação harmoniosa entre Deus e o homem. Essa inversão, onde fazemos da conseqüência a busca principal, foi resultado do rompimento causado pelo pecado. Deixamos de ter comunhão com Deus e nos tornamos infelizes, mas ao invés de buscar a Deus, passamos a tentar reproduzir artificialmente a sensação de plenitude que somente Ele proporcionava. Foi aí que surgiram os verbos “querer” e “precisar”. Quando nos afastamos daquele que respondia em si mesmo cada uma das necessidades humanas, tivemos nossa vontade corrompida pelo pecado e o vazio existencial se instalou de forma insaciável. Portanto, cada um dos nossos desejos e necessidades, sejam eles autênticos ou ilusórios, são na verdade ecos distantes daquele clamor por Deus. Os que buscam felicidade, ainda que inconscientemente estão procurando Deus. Os que querem soluções imediatas para os seus dilemas, estão na verdade explicitando uma angústia na alma que anseia por Deus. Se oferecemos a fé como uma resposta às aspirações colaterais humanas, privamos os homens de satisfazer sua real necessidade. Se fizermos de Deus apenas uma fonte de recursos, nunca permitiremos que ele nos complete. O salmo 23, tão famoso por suas cenas idílicas como pastos verdejantes, águas de descanso, refrigério da alma, veredas de justiça, mesa preparada diante dos adversários, cabeça ungida com óleo, cálice transbordante, é muito mal interpretado quando observado sob a ótica da busca da felicidade. Davi, o salmista, não está falando das coisas, ele está falando do Pastor. Uma ovelha que tenha pasto, águas e veredas tranqüilas, se não tiver pastor, ainda é ovelha perdida. A grande ênfase não é “nada me faltará”. É “Tu estás comigo”.
Temos que compreender a fé de uma maneira mais relacional. Entendê-la não como uma espécie de cheque em branco assinado por Deus, mas como uma porta de conhecimento da pessoa de Deus. Temos que refazer a pergunta que respondemos com a fé, pois as motivações por trás das ações desviam os destinos. Temos que aprender a ler nas entrelinhas de nossos anseios para perceber que cada um deles é na verdade um anelo por relacionamento com o Pai.
Antes de oferecermos as respostas, talvez nossa abordagem deveria ser: Qual é mesmo sua pergunta?
 

.