sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A vontade de Deus (parte 1)


Um dos temas mais controversos na espiritualidade cristã é o mistério da vontade de Deus. A partir do momento que nos convertemos, passamos a buscar aquilo que as Escrituras denominam como sendo a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Nossas motivações para buscá-la são as mais variadas possíveis. Em um certo nível de devoção e sinceridade, queremos agradar a Deus. Conhecer sua vontade para chegar a um nível de intimidade mais profunda com ele. Mas não raras vezes nossas motivações se mostram um pouco mais egoístas. Desejamos dar uma olhadela no futuro, para podermos ser bem sucedidos em nossos empreendimentos e decisões. Quando assim agimos, nos relacionamos com Deus como se ele, ao invés de pessoa, fosse uma espécie de oráculo que, estando acima do tempo, pode nos fornecer as orientações necessárias para um futuro estável.
Na maioria das vezes, nossa mente cartesiana procura uma bula de remédios, com todas as informações possíveis a respeito do futuro, incluindo os efeitos colaterais de nossas possíveis decisões. Desejamos saber onde estaremos ou quem seremos em dez, vinte ou trinta anos.
No entanto, tenho aprendido que a vontade de Deus é antes de mais nada uma manifestação de sua pessoalidade. A vontade de Deus é expressão do próprio ser do Deus-pessoa que se envolve de forma relacional com seus filhos e não somente informações místicas que nos concedam garantias contra possíveis erros no futuro.
Existem duas maneiras de conhecer a vontade de uma pessoa: a via dos estranhos e a via dos íntimos. Na via dos estranhos, alguém que nunca tenha me conhecido, para obter minha opinião a respeito de determinado assunto deve fazer-me uma pergunta específica e direta. Tal pergunta irá extrair de mim uma resposta informativa, desassociada de relacionamento significativo. Na via dos íntimos, por outro lado, o conhecimento de minha vontade é simplesmente uma extensão do conhecimento da minha pessoa. Exemplificando. Alguém que queira servir-me um jantar com o objetivo de me agradar terá que me perguntar a respeito de meus gostos. Já minha esposa não. Convivendo por tantos anos comigo, ela pode dizer sem pensar quais os ingredientes que aprecio e os que rejeito. O mesmo se dá em relação a questões mais sérias, quanto mais sou conhecido como pessoa, mais são reveladas minha vontade e minhas opiniões a respeito de diversos assuntos.
A vontade de Deus é, da mesma forma, melhor desfrutada à medida que desejo conhecê-lo e não somente extrair dele informações. Sua vontade é um dos alicerces sob os quais se constrói um relacionamento com Ele. Mas ainda existe um paradoxo. Se o propósito de Deus é se relacionar conosco de forma pessoal e não só agir como um atendente de posto de informações, ele pode usar de vários métodos para atrair-nos até ele, até mesmo ocultar momentaneamente sua vontade ou revelá-la aos poucos. Assim sendo, é possível que para realizar a vontade de Deus, tenhamos que em alguns momentos desconhecê-la, para que intuitiva e cuidadosamente possamos nos entregar a Deus, como alguém que, de olhos vendados, confia naquele que o guia, e assim conhecê-lo melhor.
Portanto, a melhor forma de conhecer a vontade de Deus é preocupar-se em conhecer o próprio Deus, pois sua vontade é expressão do seu ser.
 

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